Elaborado por: Prof. Dr. Adriano Antonio Mehl
Mestre e Doutor em Ciências/Engenharia Biomédica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR/CPGEI.
Membro da Braspen. Professor, Consultor e Pesquisador em Novas Tecnologias para Prevenção e Tratamento de Feridas Agudas e Crônicas e Lesões Neuropáticas
Ferida de difícil cicatrização e o uso de suplemento nutricional oral especializado
No Brasil, apesar da falta de registros, feridas crônicas constituem um grave problema de saúde pública.1 Em nosso país, as feridas crônicas mais prevalentes são a lesão por pressão (LP), a úlcera do pé diabético (UPD), as úlceras vasculares dos membros inferiores e as feridas cirúrgicas complicadas. (1)
O crescente número de pessoas com este tipo de ferida contribui substancialmente para um impacto econômico negativo (2) além de interferir diretamente na qualidade de vida (QV) da população.(1,3)
Causam dor, perda de função e mobilidade, depressão, angústia e ansiedade, constrangimento e isolamento social, encargos financeiros, hospitalizações prolongadas, morbidade crônica e óbito.(4) Estamos falando de 6% da população mundial com uma ferida de difícil cicatrização resultando em uma qualidade de vida semelhante à de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e doenças cardiovasculares. (5)
Mas como definir atualmente uma ferida crônica ou de difícil cicatrização ou como considerá-la crônica?
Feridas crônicas são definidas como aquelas que falharam na sequência normal das fases da cicatrização, de maneira ordenada, não progredindo dentro de um período de 3-4 semanas, ficando presas na fase inflamatória (2,4). Para acompanhar metricamente este déficit cicatricial, qualquer ferida que não tenha reduzido a área entre 40%-50% após 4 semanas de tratamento deve ser considerada então uma ferida difícil cicatrização, necessitando de modificações nas estratégias terapêuticas. (6)
Como exemplo: úlceras do pé diabético (UPD) com redução da área < 50% no período de 4 semanas sequenciais de acompanhamento são consideradas de difícil cicatrização. Nas úlceras venosas da perna o valor considerado para caracterizar como de difícil cicatrização é a redução da área < 40% em 4 semanas e nas lesões por pressão o valor de redução da área considerada é de < 20%–40%. (4,6)
Entre os mais importantes fatores relacionados ao déficit cicatricial estão aqueles considerados sistêmicos, como envelhecimento, diabetes, doenças crônicas e a desnutrição.(2-4)
Portanto, a gestão da ferida de difícil cicatrização exige: uma avaliação holística do paciente, identificando inicialmente o paciente em risco e a ferida com déficit cicatricial. Torna-se imperativo identificar, gerenciar e tratar as condições que interferem na cicatrização, como a desnutrição. Deve-se também saber avaliar corretamente a ferida com a obtenção das medições e acompanhamento da redução da área em 4 semanas. Implementar os cuidados locais (seguindo as recomendações de preparo do leito da ferida), educando o paciente, o familiar e o profissional da saúde. E, instituir um plano de cuidados interdisciplinares para prevenção e tratamento da ferida bem, evitando recorrências. Lembrando que tudo isso deve ser devidamente registrado. (6)
FERIDAS DE DIFÍCIL CICATRIZAÇÃO: UM ENSAIO RANDOMIZADO COM UM SUPLEMENTO NUTRICIONAL ORAL CONTENDO PROLINA PARA AJUDAR NA CICATRIZAÇÃO
O tecido danificado em uma ferida precisa de vários nutrientes para ser reparado. A ingestão nutricional desempenha um papel essencial neste processo e uma ingestão adequada de macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) é recomendada tanto quanto uma ingestão de micronutrientes (certas vitaminas e minerais).
Neste artigo publicado em janeiro de 2021 no Journal of Wound Care, pacientes com feridas de difícil cicatrização foram avaliados em 5 momentos (S0 – S4) durante 4 semanas consecutivas.
No momento S0, os pacientes foram randomizados para o grupo do suplemento nutricional oral especializado (SNOE) (n = 15; 25 feridas) contendo os aminoácidos prolina e arginina, com altos níveis de vitaminas A, C e E, zinco e selênio ou para o grupo controle (n = 15; 25 feridas), ambos com concentrações similares de proteínas. A posologia foi de 200ml duas vezes ao dia durante o período de pesquisa. A área de superfície da ferida e o perímetro foram monitorados, permitindo calcular a taxa de contração (redução semanal da área da ferida) e o crescimento linear das bordas das feridas, procurando pelos fatores preditivos de cicatrização de feridas. Uma redução estatisticamente significativa na área da superfície das feridas foi observada com o uso do produto enriquecido com prolina, arginina e micronutrientes, com pico de desempenho entre S1 e S2. Os resultados métricos foram de 2,9 a 4,6 vezes superior ao esperado de acordo com a literatura , respectivamente em pacientes diabéticos e não diabéticos, sem induzir mudanças na pressão arterial, nível de glicose ou da função renal.
O uso do SNOE contendo prolina, arginina e enriquecido com micronutrientes demonstra ser uma importante opção terapêutica para pacientes com feridas de difícil cicatrização.
O artigo completo e publicado no Journal of Wound Care pode ser acessado gratuitamente pelo link: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33439085/
Referências Bibliográficas
1. Santos KCB dos, Ribeiro GSC, Feitosa AHC, Silva BRS da, Cavalcante TB. Qualidade de vida de pacientes hospitalizados com feridas crônicas. Rev. Eletr. Enferm. [Internet]. 31 de dezembro de 2018;20. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/fen/article/view/54130
2. Mehl AA, Damião AO, Viana SD, Andretta CP. Hard-to-heal wounds: a randomised trial of an oral proline-containing supplement to aid repair. J Wound Care. 2021 Jan 2;30(1):26-31. doi: 10.12968/jowc.2021.30.1.26.
3. Sen CK. Human Wound and Its Burden: Updated 2020 Compendium of Estimates. Adv Wound Care (New Rochelle). 2021 May;10(5):281-292. doi: 10.1089/wound.2021.0026.
4. Mehl AA, Schneider Jr B, Schneider FK, Carvalho BHK. Measurement of wound area for early analysis of the scar predictive factor. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3299. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.3708.3299.
5. Murphy C, Atkin L, Swanson T, Tachi M, Tan YK, Veja de Ceniga M, Weir D, Wolcott R. International consensus document. Defyinghard-to-heal wounds with na early antibiofilme Intervention strategy: wound hygiene. J Wound Care 2020;29(Suppl3b):S1–28.
6. Atkin L, Bućko Z, Montero EC, Cutting K, Moffatt C, Probst A, Romanelli M, Schultz GS, Tettelbach W. Implementing TIMERS: the race against hard-to-heal wounds. JOURNAL OF WOUND CARE CONSENSUS DOCUMENT VOL 28, NO 3, MARCH 2019. https://doi.org/10.12968/jowc.2019.28.Sup3a.S1