Custo-efetividade é conceito que transcende a análise isolada de custos financeiros. De acordo com o Segundo Painel para Análise de Custo-efetividade em Saúde e Medicina (1), custo-efetividade é instrumento analítico que mensura os efeitos e custos de um programa cujo objetivo é avaliar respostas para determinada ação (prevenção ou tratamento). Neste sentido, essas contemplam o investimento e os benefícios alcançados (p. ex. doenças evitadas, mais anos de vida, anos de vida ajustados por qualidade etc) ou seja, extrapolam-se somente valores monetários. Do ponto de vista prático, podem-se citar os investimentos feitos nos primeiros 1.000 dias de vida (da concepção até o segundo ano) em que, por exemplo, prevenir deficiência de iodo que causa perda do coeficiente de inteligência e não é revertida com nenhum tratamento, impacta no futuro das crianças, garantindo adequado desenvolvimento intelectual e cognitivo(2). Assim, a análise de custo efetividade é resultante da eficácia (a coisa certa está a ser feita) em conjunto com eficiência (a coisa correta está a ser feita de forma adequada). E a terapia nutricional é custo-efetiva?
Responder a esta pergunta é um desafio, uma vez que a terapia nutricional parece ser sub-utilizada(3)e, aparentemente, é administrada de forma controversa. Contudo, a despeito da grande evolução da Medicina e considerando-se que a desnutrição é a doença mais prevalente em hospitais no mundo (cerca de 50% dos enfermos)(4), esperar-se-ia que a terapia nutricional fosse mais amplamente utilizada e oferecida de forma adequada. Porém, o que se observa é que o diagnóstico nutricional não é rotina, como demonstrado por Tobert et al. (5). Esses autores apontaram que menos de 5% dos doentes hospitalizados nos Estados Unidos da América tem registrado a presença de desnutrição, apesar da alta prevalência. Isso sugere que o diagnóstico do estado nutricional não é comumente feito. Dados similares foram reportados pelo IBRANUTRI (3). Logo, é terapia nutricional parte integral da abordagem terapêutica dos doentes hospitalizados e, é custo-efetiva?
Sabendo-se que a desnutrição impacta negativamente na morbimortalidade, nos custos e no tempo de internação hospitalar (6) é importante discutir-se o custo-efetividade da terapia nutricional. Assim, será que ao se oferecer terapia nutricional adequada, seria possível diminuir o tempo de internação e as complicações, o que por sua vez impactaria nos custos financeiros? Ademais, poderia a adequada terapia nutricional influenciar a qualidade de vida dos enfermos e seus familiares?
Banks et al. (7, 8), na Austrália, avaliaram, por meio de modulação estatística, o efeito da oferta precoce de terapia nutricional na prevenção de lesões por pressão e, assim, maior rotatividade de leitos hospitalares existiria. O modelo foi capaz de predizer que 2.928 lesões seriam evitadas, possibilitando 12.937 dias/camas disponíveis. No Brasil, há muitos anos, também por meio de modelo teórico, mostramos que o investimento em terapia nutricional resultaria em maior rotatividade de leitos hospitalares o que resultaria em economia (9).
O uso precoce de nutrição parenteral em pacientes críticos, os quais de antemão se antecipou não tolerarem nutrição enteral no três primeiros dias após a hospitalização, resultou na melhor adequação proteico-calórica. Isso foi concomitantemente associado a menos tempo de ventilação mecânica o que implicou em custos hospitalares diminuídos (10).
Nelson et al. (11), no Canadá, mostraram que a implementação de protocolo cirúrgico (Enhancing Recovery AfterSurgery), em que abordagens nutricionais também são adotadas, resultou em menor tempo de internação hospitalar e menos readmissões entre pacientes cirúrgicos com câncer colorretal. Este estudo tem particularidade relevante, pois mostrou que à medida que mais etapas do projeto foram implementadas e mais adesão houve, menor foi o tempo de internação. O produto final, a despeito do investimento para a implementação do protocolo, foi o grande benefício econômico.
Em suma, a avaliação de custo-efetividade vai além da análise financeira. De sorte que as melhorias alcançadas na trajetória do doente em terapia nutricional, em especial aquele desnutrido, quando essa é oferecida de maneira precoce e adequada, justifica o investimento.
Maria Isabel Toulson Davisson Correia
Presidente do Comitê de Defesa Profissional
Referências Bibliográficas
1. Sanders GD, Neumann PJ, Basu A, Brock DW, Feeny D, Krahn M, et al. Recommendations for Conduct, Methodological Practices, and Reporting of Cost-effectiveness Analyses: Second Panel on Cost-Effectiveness in Health and Medicine. JAMA. 2016;316(10):1093-103.
2. Forget EL, Roos LL, Deber RB, Walld R. Variations in Lifetime Healthcare Costs across a Population. Healthc Policy. 2008;4(1):e148-67.
3. Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MI. Hospital malnutrition: the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000 patients. Nutrition. 2001;17(7-8):573-80.
4. Correia M, Perman MI, Waitzberg DL. Hospital malnutrition in Latin America: A systematic review. Clin Nutr. 2017;36(4):958-67.
5. Tobert CM, Mott SL, Nepple KG. Malnutrition Diagnosis during Adult Inpatient Hospitalizations: Analysis of a Multi-Institutional Collaborative Database of Academic Medical Centers. J Acad Nutr Diet. 2018;118(1):125-31.
6. Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbidity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9.
7. Banks MD, Graves N, Bauer JD, Ash S. Cost effectiveness of nutrition support in the prevention of pressure ulcer in hospitals. Eur J Clin Nutr. 2013;67(1):42-6.
8. Banks M, Bauer J, Graves N, Ash S. Malnutrition and pressure ulcer risk in adults in Australian health care facilities. Nutrition. 2010;26(9):896-901.
9. Waitzberg DL, Correia, M.I.T.D. Custos e benefícios da nutrição enteral e parenteral na assistência integral à saúde. Rev Bras Nutr Clin. São Paulo1999. p. 213-9.
10. Doig GS, Simpson F, Sweetman EA, Finfer SR, Cooper DJ, Heighes PT, et al. Early parenteral nutrition in critically ill patients with short-term relative contraindications to early enteral nutrition: a randomized controlled trial. JAMA. 2013;309(20):2130-8.
11. Nelson G, Kiyang LN, Crumley ET, Chuck A, Nguyen T, Faris P, et al. Implementation of Enhanced Recovery After Surgery (ERAS) Across a Provincial Healthcare System: The ERAS Alberta Colorectal Surgery Experience. World J Surg. 2016;40(5):1092-103.